Em 1527, as tropas de Carlos V, imperador do Sacro Império Romano-Germânico, cercavam a cidade de Roma. Meses antes, a aliança forjada entre França, Milão, Veneza, Florença e o Papado não conseguiu impedir que os cerca de 18 mil soldados espanhóis e alemães sitiassem a capital mundial da cristandade. Para proteger a vida do papa Clemente VII, que havia dado o seu apoio ao Reino de França em uma tentativa de alterar o equilíbrio de poder na Europa, havia apenas 189 Guardas Suíços. Em uma brava demonstração de resistência e lealdade, as alabardas dos suíços combateram os invasores desde a entrada da Basílica de São Pedro até o altar-mor, formando um círculo em volta do Pontífice e garantindo a sua fuga até o Castelo de Santo Ângelo. No fim, apenas 42 guardas papais sobreviveram.
Em memória dos 147 jovens soldados mortos durante o saque de Roma, naquele 06 de maio de 1527, todos os anos, até os dias atuais, a Guarda Suíça Pontifícia realiza, nessa mesma data, a tradicional cerimônia de juramento dos novos recrutas deste que é considerado o menor e mais antigo exército do mundo. Os oficiais precisam prestar um juramento diante do papa e o fazem com a mão direita levantada e os três dedos do meio abertos, recordando a Santíssima Trindade. A fórmula “juro servir fiel, leal e honrosamente o Pontífice reinante e seus legítimos sucessores” é feita sobre o estandarte das forças armadas da Cidade do Vaticano.
Fundado pelo Papa Júlio II em 1506, a Guarda Suíça é responsável pela proteção pessoal dos papas, atualmente o Papa Francisco. Eles também são encarregados de resguardar as entradas no Vaticano, defender as residências papais, como o Palácio Apostólico, realizar serviços de ordem e representação durante as cerimônias papais e recepções de Chefes de Estado, e também proteger o Colégio de Cardeais durante o período de Sede Vacante, após a morte ou renúncia do Sumo Pontífice. Do corpo da Guarda Suíça só podem fazer parte homens suíços de constituição física robusta, com um mínimo de 1,74m de altura, católicos, com diploma profissional ou ensino médio concluído, com idade entre 18 e 30 anos, e não casados.
Foto: Vatican News
Por trás do uniforme e das bandeiras, a Guarda Suíça é também um dos vários símbolos do Vaticano, e uma atração turística a parte para quem visita a “cidade dos papas”. O curioso uniforme dos soldados suíços é, sem dúvida, o uniforme militar mais famoso do mundo. Segundo a tradição, ele foi originalmente desenhado pelo artista Michelangelo, por volta de 1505. A vestimenta atual, porém, remonta ao início do século XX, e foi assinada pelo comandante Jules Repond, a partir do modelo que se atribui ao lendário artista italiano. Suas inconfundíveis cores azul, vermelho e amarelo foram escolhidas pelo papa Leão X, e representam o clão e os brasões da sua família, os Medicis, influente dinastia política da Itália. O uniforme é feito de maneira artesanal, composto por 154 pedaços de tecido preparados com base nas medidas tiradas de cada recruta.
Os primeiros membros da Guarda Suíça eram mercenários, prática muito comum naquela época para os monarcas europeus. Reis, rainhas, imperadores e claro, também os papas, confiavam sua segurança à soldados estrangeiros. Depois do Saque de Roma, lá em 1527, os soldados suíços ganharam estima e confiança dos sucessores de São Pedro, e em 1929, quando o Vaticano virou um Estado soberano e independente, a Guarda Suíça virou o exército oficial do pequeno país. Seu treinamento, porém, começa muito longe dos muros medievais que cercam a sede do catolicismo. Os homens que têm a tarefa de garantir a segurança do Santo Padre são treinados com todo o rigor e a excelência do exército suíço, que envolve formação específica sobre a utilização de armas, treinamento tático e autodefesa.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o contingente da Guarda Suíça chegou a ter 300 soldados. No auge da ocupação nazista em Roma, eles trocaram as alabardas e espadas por espingardas, baionetas e cartucheiras repletas de munição, como medida de precaução, e além de protegerem o novo Estado papal, também garantiam a segurança dos civis italianos que buscavam refúgio nas dependências do Vaticano. Desde a trágica tentativa de assassinato do papa João Paulo II, em 13 de maio de 1981, as funções não cerimoniais da guarda passaram a receber uma maior atenção. Os soldados passaram a utilizar pequenas armas de fogo e atuar como uma guarda pessoal moderna, inclusive com membros à paisana acompanhando o Pontífice em suas viagens ao exterior para sua proteção.
Da verde Suíça ao coração de Roma, sob o uniforme tricolor renascentista, a Guarda Suíça é, por mais de 500 anos, um exemplo de “coragem e fidelidade”, segundo seu próprio lema, mas também de tradição, excelência e arte. Hoje de caráter mais simbólico, sua história, porém, remota a um tempo no qual muitos eram os motivos para desejar o poder de um papa. Entre complôs, destituições e até assassinatos, o Pontífices Romanos, líderes da Igreja Católica, precisavam zelar pela sua segurança. Para isso, sempre contaram com o valioso serviço prestado pelos suíços. Em 2006, quando comemorou-se o quingentésimo aniversário da guarda, 80 ex-soldados marcharam de Bellinzona, no sul da Suíça, em direção a Roma, cruzando a Porta del Popolo, na piazza de mesmo nome, fazendo o mesmo trajeto da marcha dos 200 Guardas Suíços originais que assumiram o serviço papal em 1506, em um exemplo de fé, dedicação e discipulado.