Das cinzas de uma Europa devastada pela Grande Guerra (1914-1918), surgia um novo mundo a partir do conflito que envolveu todas as principais potências européias da época. Impérios desapareceram, novos Estados foram criados, o mapa global foi redefinido e a Rússia foi apropriada pelo comunismo. Menos de 30 anos depois, em 1945, a queda dos regimes nacionalistas autoritários de direita, encarnados nas figuras do Nazismo e Fascismo, fez nascer um mundo bipolar, pautado em uma cultura e poder baseados no dinheiro e no consumo, dividido entre os Estados Unidos e a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Guerras, catástrofes e pandemias como a que estamos vivendo costumam ser considerados, nas Relações Internacionais, momentos importantes da história da humanidade porque representam pontos de mudança sistêmica. Rupturas. São movimentos tectônicos avassaladores, que transformam nosso dia a dia, nosso modo de trabalhar, de se relacionar, de se entreter. E como será o mundo pós-coronavírus? Como reativar as economias? Como voltar a criar empregos? Em que situação estarão os mercados financeiros, as democracias, as nações, as liberdades civis?
No século 21, vivemos pelo menos dois momentos como esse. O primeiro foi em 11 de setembro de 2001. Desde que aviões comerciais foram arremessados como mísseis contra as torres gêmeas do World Trade Center e o Pentágono, uma série de outros eventos críticos deram início à chamada “década do terror”, período de grandes tensões internacionais e insegurança permanente com os atentados que se seguiram. Nice, Barcelona, Berlim, Londres e outras cidades da Europa também foram vítimas. A crise de 2008 foi o segundo momento de ruptura, trazendo de volta o fantasma da Grande Depressão, dos anos 1920. A pandemia do novo coronavírus, apontam especialistas, será a terceira.
Que mundo irá nascer quando a crise atual acabar? Que países estarão mais fortes e como ficará o jogo de poder do tabuleiro de xadrez internacional? Podemos sair de uma realidade unipolar, com os Estados Unidos como superpotência, para uma nova configuração, que pode ser bipolar – Estados Unidos e China – ou multipolar – com a participação da Rússia e outras democracias da Europa, como a Alemanha e França, que em meio ao caos no continente deixado pela Covid-19, exercem liderança e ajudam a equilibrar a balança de poder. Assim como aconteceu no pós-Segunda Guerra Mundial, a adoção de programas internacionais de cooperação, como o caso do Plano Marshall, pode estar no horizonte.
No mundo a reconstruir, a China já desponta como importante personagem na política global, estendendo sua zona de influência em direção a uma Europa com milhares de mortos e que já vivia uma crise de identidade em razão do Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia (UE). Enquanto os Estados Unidos, sob o governo do presidente Donald Trump, negava a gravidade da situação, suspendia voos provenientes da Europa e se fechava em si mesmo, Pequim se lançou em uma ousada diplomacia, a chamada “diplomacia do vírus”, despejando dinheiro, médicos e equipamentos no Velho Continente. Segundo o Partido Comunista Chinês (PCC), mais de cem países receberam apoio de Pequim, entre eles o Vaticano, as nações africanas e do Oriente Médio, como Líbano, Síria e Irã.
E nessa nova ordem mundial pós-coronavírus, como fica o Brasil e os demais países? Qual será o papel dos Estados na reconstrução das suas sociedades e economias? Em meio à crise, até as nações mais liberais foram obrigadas a reverem suas políticas para salvar o sistema de saúde público, os empregos e as economias. Ficou evidente a importância da participação dos governos na manutenção da ordem, apontando para um mundo em que o Estado voltaria a ser protagonista, fixando novas bases no sentido do que é público e do que é papel do Estado. Se estamos caminhando para um futuro marcado pelo enfraquecimento dos discursos neoliberais, que pautam a economia mundial desde a década de 1980, somente o fim da tsunami gerada pela pandemia do novo coronavírus poderá dizer.